domingo, 12 de junho de 2016

Resumo do livro "Jornalismo Investigativo", de Leandro Fortes

Grupo: Camila Teixeira, Leonardo Leão e Luciana Ferraz

Capítulo I
Por Luciana Ferraz

O jornalismo investigativo é um ramo da profissão de difícil entendimento e, mais ainda: de complexa definição. Fato que chama atenção é a aparente redundância que existe no termo. Jornalismo Investigativo. Ora, todo jornalismo tem de ser investigativo. Isso é o que nós, nas escolas de comunicação mundo afora aprendemos. Isso é o que dá credibilidade à informação que o público recepta. O fato de o receptor saber que a notícia com a qual ele tem acesso foi minuciosamente apurada lhe oferece confiança no produto.

Mas, o foco aqui é compreender o Jornalismo Investigativo como ramo, área ou campo específico do jornalismo. No Brasil, foi a partir do final da Ditadura Militar 91964-1985) que a área ganhou seu destaque. Isso porque, até então, a censura e a repressão por parte do governo era incapaz de deixar florescer esta prática que se apresenta tão ameaçadora à integridade de tantas entidades, instituições e empresas de peso e poder. Mas, mais precisamente, foi a partir do impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, em 1992, que este campo ganhou força. Isso ocorreu porque o processo que o levou ao impeachment do então chefe máximo do Poder Executivo foi longo e contou decisivamente com a contribuição da mídia. Ela, a mídia, por meio de investigações detalhistas e, por vezes, forjada, espalhou e tornou públicas as denúncias do presidente e seus aliados (primeira-dama, ministros, etc), transformando o impeachment em um desejo popular.

Entretanto, Fortes (2005) deixa claro que muito do que conhecemos e consideramos, nos tempos atuais, como fruto de jornalismo investigativo pouco tem de investigativo, de fato. Existe, por assim dizer, cada vez menos investigação dentro das redações. No lugar, o que se encontra são informações semi-prontas trazidas por entidades interessadas, as quais tendem a fisgar o interesse dos repórteres pelo fato de chegarem até eles de forma “mastigada”.

Três fatores contribuem para esta distribuição facilitada das denúncias de que Pontes (2005) fala. O primeiro deles são as notícias produzidas pelas assessorias de comunicação. Em formato de releases, que já têm todos os elementos da notícia, eles oferecem o máximo de comodidade ao repórter e, por isso, sua ideia, muitas vezes é comprada, sem que haja qualquer investigação. O objetivo das assessorias, claro, não é outro a não ser manipular as denúncias e os escândalos de forma a deixá-los menos impactantes. Fortes explica que “Isso vale para políticos, magistrados e representantes de grandes corporações”.

Um segundo fator que contribui para a deturpação do jornalismo investigativo é sua dependência para com as fontes de informação. Na ânsia de transmitir o acontecimento antes de outros veículos e plataformas, o jornalista investigativo peca por confiar cegamente nas fontes que lhe fornece os dados envolvidos no escândalo com o qual ele trabalha.
Não para por aí: um terceiro aspecto que contribui para a descaracterização do jornalismo investigativo é exposto por Fontes, com base em Nilson Lage, e refere-se ao interesse de grupos políticos, econômicos, pessoais e institucionais para se promover pela mídia. Dessa forma, a organização criada por tais personalidades auxilia a manipulação dos escândalos e notícias impactantes.

Diante de tantas dificuldades éticas apresentadas por Leandro Fortes acerca do jornalismo investigativo, algumas associações, criadas recentemente (no caso do Brasil) ou há algum tempo (nos demais países), são cruciais para promover força, união e, em certa medida, auxiliarem a rotina dos jornalistas investigativos. É o caso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), atuante desde 2002. Ela é composta por jornalistas, sendo levados em consideração alguns critérios para fazer parte dela, como, não o fato de o jornalista não poder ser detetive, mesmo que também seja jornalista, para não existir o risco de vazamento de informações que ainda precisam ser exploradas. O que este tipo de organização busca é facilitar o papel do investigador. Assim, a Abraji, por exemplo, disponibiliza diversas ferramentas, com bancos de dados diversos e outras com capacidade de transformar moedas e pesos, calcular porcentagens, entre utilidades.

Capítulo II
Por Luciana Ferraz

De maneira geral, a apuração dos fatos é o que norteia o jornalismo, seja ele praticado na TV, no rádio, no jornal ou na web. O que diferencia, então, o jornalismo investigativo dos demais setores? De acordo com Fortes, a diferença estaria na circunstância mais complexa dos fatos, o que faz com que seja demandado mais tempo e pressão ao jornalista investigativo.

Para precisar a prática, o texto apresenta os passos a serem seguidos pelo profissional da imprensa investigativa:
:: Pesquisa minuciosa. É preciso ter um olhar mais crítico; sair do óbvio; escutar fontes que fujam à normalidade, como é o caso das oficiais; dar atenção aos detalhe e às brechas;
:: Paciência e concentração. As informações para se chegar até à notícia podem vir de variadas fontes (ex: dados estatísticos, legislações, episódios antigos etc). Pacientemente, todos elas devem ser cruzadas para se concluir algo;
:: Insistência e perseverança. As informações aptas a se tornarem reportagens investigativas, certamente, precisam ser ocultadas por alguém ou algum grupo de interesse a fim de salvar sua pele. Por isso, o repórter investigativo deve saber que nenhum lhe chegará de bandeja e é necessário investigar cada informação fornecida pelo acusado;
:: Atenção especial. Documentos, certidões, relatórios, contratos, processos judiciais e todo tipo de documento oficial deve ser minuciosamente investigado a fim de se detectar possíveis erros e fraudes;
:: Entrevistas. É preciso escutar o máximo de pessoas envolvidas direta ou indiretamente, a fim de identificar possíveis contradições e críticas. Gravá-las é fundamental;
:: Conhecimento policial básico. Entender basicamente o funcionamento da coleta de dados, pistas, indícios e provas policiais ajuda o repórter a começar sua investigação e a não cair em pistas faltas e fontes enganadoras;
:: Curiosidade e desconfiança. Estes são atributos vitais para levar o repórter a investigar todas as nuanças dos casos;
:: Discrição. Além de ser responsável por resguardar o sigilo das informações obtidas, o jornalista investigativo, de acordo com Fortes, deve “caminhar pela sombra, ser pouco conhecido, não se deixar fotografar, falar o mínimo possível ao telefone (para evitar grampos) e manter uma relação estritamente profissional com as fontes”.
:: Checar, checar e checar. Essa regra vale especialmente para o caso de informações que chegam às redações de forma fácil demais ou que apresentem desvios com a realidade ou ainda deixam qualquer brecha para desconfianças;
:: Liberte-se de preconceitos. As convicções pessoais do jornalista investigativo no que tange à religiosidade, ideologia e princípios morais podem atrapalhar a apuração e, por isso, deve ser desconsiderada antes da iniciação de qualquer trabalho;
:: Arquivos bem organizados. Esta conduta tem o objetivo de manter consultas sempre acessíveis. É importante organizar e armazenar sistematicamente todos os documentos importantes;
:: Frieza, objetividade e precisão. Ao tratar e referenciar as fontes ao longo da matéria e durante as apurações, é necessário manter o respeito que lhes cabe;
:: Lealdade ao leitor. A manutenção aos direitos básicos da sociedade, como interesse com a verdade, ética e respeito à democracia devem ser preservados a todo custo;
:: Coragem e responsabilidade. O bom jornalista investigativo se debruça com interesse e comprometimento em uma pauta que sabe que dará bons frutos à sociedade. Porém, essa busca deve ser precedida de responsabilidade, pois, por lidar com interesses pessoais de pessoas e instituições muitas vezes poderosas, muitos são os riscos a que repórteres investigativos são submetidos. É preciso agir com cautela;
:: Respeito às fontes. Quando alguém repassa informações preciosas ao repórter investigativo em off, é obrigatório que esse direito seja preservado.
:: Clareza e simplicidade: somente as informações facilmente apreendidas pelo receptor devem ser mantidas. Todos os números complexos e informações rebuscadas devem ser substituídas por dados incompreensíveis


Capítulo III 
Por Leonardo Leão

O autor inicia o capítulo relacionando o jornalismo investigativo a uma polêmica: até onde podem ir os limites dos jornalistas nessa área? Seria correto o uso sigiloso de aparelhos como gravadores e câmeras, o uso de identidade falsa e transgredir as leis, em busca de informações? Leandro Fortes mostra que se devem valer os princípios da honestidade e dos limites impostos pelo bom senso e ética.

Além disso, Fortes relata que alguns jornalistas se arrependem de ter usado os recursos do jornalismo investigativo em seus trabalhos. E defendem a exclusão desses meios. Mas também narra àqueles que, por estarem na ativa, na “guerra permanente do mercado de trabalho”, suavizam a polêmica. Fortes cita Ricardo Noblat, que em seu livro A arte de fazer um jornal diário conta que se passou por um Major da Polícia Militar para extrair informações de um gerente de hotel. E, como exemplo dos que se sentem “culpados” pelo uso dos dispositivos investigativos, Noblat faz uma breve reflexão a cerca do tema: “Porque sou jornalista e porque vivemos em uma democracia estou liberado para valer-me de qualquer recurso que assegure à sociedade o direito de tudo saber? Posso roubar documentos, mentir, gravar conversas sem autorização, violar leis? Onde está escrito que disponho de tais prerrogativas? Quem me deu imunidade para rasgar códigos que regulam o comportamento das demais pessoas?”. Leandro Fortes ainda utiliza a fala da jornalista americana Janet Malcom, autora do livro O jornalista e o assassino, como complemento da fala de Noblat: “Qualquer jornalista que não seja demasiado obtuso ou cheio de si para perceber o que está acontecendo sabe que o que faz é moralmente indefensável. Ele é uma espécie de confidente que se nutre da vaidade, da ignorância ou da solidão das pessoas [...] Os jornalistas justificam a própria traição de várias maneiras [...] Os mais pomposos falam de liberdade de expressão e do ‘direito do público saber’; os menos talentosos falam sobre a Arte; os mais decentes murmuram algo sobre ganhar a vida”.

Dessa forma, Fortes alerta para que não haja um embate entre “santos” e “demônios”. Não há lado certo ou lado errado no jornalismo investigativo. A solução que o autor apresenta é de que os meios utilizados nas investigações jornalísticas devem ser limitadas, organizadas e vigiadas, mas, de forma alguma, detidas. Ele até idealiza a criação de um Conselho Federal de Jornalismo que fiscalize e oriente os profissionais da área nesse quesito. O autor, em determinado ponto, defende o jornalismo investigativo dizendo que a imprensa brasileira é consequência da ação de corajosos profissionais da área.

No “subcapítulo” Missão e omissão, o autor cita como exemplo o caso de quando ele, juntamente com outro jornalista, utiliza dos recursos do jornalismo investigativo para expor conversas em fitas de um possível esquema de corrupção envolvendo o então presidente da época Fernando Henrique Cardoso, o presidente do senado Antônio Carlos Magalhães, o Ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça e o ex-diretor da Andrade Gutierrez, Roberto Amaral. Assim, Fortes relata detalhadamente como tudo ocorreu. Desde a investigação de Gustavo Krieger (o “outro jornalista”), passando por algumas conversas dos políticos expostas, até os riscos que ele, Leandro Fortes, correu ao mentir sua identidade para conseguir informações sobre as fitas e, depois de descoberto como repórter da revista Época, mentindo para escapar daquela situação.

Em outro subcapítulo, Fortes relata uma decisão difícil tomada pelo jornalista Luiz Cláudio Cunha, da revista Isto É, ao divulgar um esquema de grampos ilegais envolvendo o senador Antônio Carlos Magalhães. A polêmica se iniciou devido ao próprio Magalhães ter, pessoalmente, informado ao jornalista sobre esse esquema. Porém, em off. Leandro Fortes, ameniza a situação de Luiz Carlos Cunha, ao relatar que o jornalista “abriu” o off, pois não queria ser indiciado como cúmplice, visto que o senador era alvo de uma investigação da Polícia Federal. Além disso, Fortes utiliza de uma citação feita por outro jornalista, Alberto Dines, que escreveu um artigo nomeado “o grampo que acabou com o grampo” e que foi publicado pelo Observatório da Imprensa para defender a decisão tomada por Luiz Cláudio Cunha: “O senador Antônio Carlos Magalhães, apelidado com toda a justiça de Rei do Grampo, mais uma vez enredou-se numa gravação telefônica. Um dos principais fornecedores de fitas, responsável pelo denuncismo irresponsável que tomou conta da imprensa brasileira e colocou-a a reboque dos interesses políticos mais escusos, está definitivamente envolvido no caso do megagrampo baiano. Os repórteres recusaram manter em off uma confissão inequívoca: publicaram o que ouviram e de quem ouviram. Não poderiam compactuar com uma ilegalidade admitida pelo próprio autor. E ainda gravaram a conversa em que o senador confirma a declaração anterior. Um grampo acabou com a Era do Grampo. E, de quebra, acabou com a matéria ‘soprada’. O off tem limites. O jornalista está comprometido com a sua consciência e seus princípios morais e não com os interesses do entrevistado. A Era do Grampo estendeu-se ao longo de cinco anos porque os jornalistas que recebiam as fitas (alguns da próprio Isto É) aceitavam manter em sigilo os nomes dos fornecedores da ilicitude. Graças a Luiz Cláudio Cunha e Weiller Diniz (o outro repórter da Isto É que assinou as matérias dos grampos), políticos, autoridades ou bandidos vão pensar duas vezes antes de distribuir com tanta generosidade o teor das gravações que mandavam fazer (ou recebiam de terceiros). E pensarão dez vezes antes de fazer declarações irresponsáveis imaginando-se protegidos pelo off. Abril 2003 vai marcar a despoluição das relações entre a mídia e o poder. O jogo brasiliense será mais limpo. O pacto do silêncio, a omertá (lei do silêncio imposta pela máfia na Itália), foi rompida: bandidos de um lado, jornalistas do outro”. Fortes ainda faz uma ressalva: diz que nem sempre a decisão de “quebrar” o off é do jornalista. Muitas vezes eles, jornalistas, sofrem a pressão dos chefes, dos donos das mídias e, até mesmo, dos departamentos jurídicos dos veículos em que trabalham.

Citando Ricardo Setti, jornalista da Editora Abril, Fortes mostra três tipos de offs: o mais utilizado pelos americanos e britânicos denominado not for attribution em que os jornalistas podem usar as informações passadas pelas fontes e, até, usarem aspas em suas falas. Mas, de forma alguma, devem citar a fonte que os forneceu aquela informação. Há também o deep background que defende que as informações podem ser utilizadas de forma geral, porém sem utilizar citações entre aspas e, claro, nomear as fontes. “Há também a situação em que o jornalista pode informar sobre um assunto com base em informações de uma fonte, mas não está autorizado a fornecer indicação sequer de forma indireta sobre quem é ela ou de que as informações vieram dela”. Há ainda o off the record, que atenta Setti, possui um significado muito diferente do que costuma ser utilizado aqui no Brasil. Nesse conceito, as informações devem servir apenas para situar o repórter sobre a situação no geral, mas nãos farão parte da reportagem.


Por fim, Leandro Fortes cita Claudio Tognolli, um dos fundadores da Abraji e, segundo ele, a essência do jornalismo investigativo devem ser retomada, pois os jornalistas estão aceitando apenas as falas das fontes oficiais. “Muita gente confia nessa história de copiar boletim de ocorrência e falar que aquilo é resultado de uma investigação, quando, na verdade isso é uma grande mentira. Ou você vai investigar o que apurou, ou você fica atrás da polícia”.

Capítulo IV 

Por Camila Teixeira

Investigação dá trabalho e pode ser arriscado

Preguiça e jornalismo não combinam. O jornalismo não é, definitivamente, uma profissão para preguiçosos, muito menos para covardes. No caso da investigação jornalística, o trabalho é sempre intenso, misto de suor e paciência, mesmo quando a luta cotidiana pela notícia requeira o cumprimento de prazos. Mas corre-se tanto contras o tempo como a favor da verdade, e é nesse equilíbrio que reside o bom resultado de uma investigação.

Em abril de 2000, fui mandado pela revista Época à Flórida  para fazer uma matéria sobre lavagem de dinheiro e a colônia brasileira em Miami. Por duas semanas, iniciei um aprendizado sobre o comportamento das fontes nos Estados Unidos e, sem saber, abri uma frente investigativa que, um ano depois, iria me jogar no caldeirão de um dos mais intrigantes escândalos da República – o caso do Dossiê Cayman. Tratava-se de uma papelada fria, preparada por três falsários brasileiros, que insinuava a existência de uma empresa com conta clandestina no Caribe, a CH,J&T, cujos donos seriam o então presidente Fernando Henrique Cardoso, os ex-ministros Sérgio Motta e José Serra e o ex-governador de São Paulo Mário Covas, todos do PSDB.

Pouco mais de um ano depois, desembarquei em Miami com a missão de começar a montar um quebra-cabeça em que a primeira peça era uma lista de doze nomes (onze brasileiros e um americano) produzida pela Polícia Federal. Era uma informação secreta que incluía uma agenda de atividades policiais-diplomáticas das autoridades envolvidas no inquérito do Dossiê Cayman. Da lista constava a presença direta de um representante do Ministério da Justiça.

No dia 9 de maio de 2001, me instalei em um quarto do hotel Double Tree Hotel e refleti sobre o que fazer com aquela lista de oitivas programadas por delegados da Policia Federal. Um dos documentos era um cronograma de viagens, enviado ao Ministério Público, que previa as missões em Washington, Nassau e Miami dos policiais. Os delegados deveriam deixar as Bahamas no dia 9 de maio, mas houve algum atraso em Nassau,e achei por bem tentar falar com eles nas Bahamas. De Miami, liguei para a comunicação da Polícia Federal em Brasília e pedi um contato com os delegados de Nassau. Fui informado de que não existia uma autorização formal para fornecer o número do telefone de onde s federais estavam hospedados. Descobri, por conta própria, que estavam hospedados no Towne Hotel de Nassau, mas não consegui contato. Percebi que os federais tinham sido orientados a não anteder jornalistas, para evitar o vazamento das informações recolhidas até então.

Minha preocupação era descobrir o que significavam aqueles nomes da lista e quais eram as suas influências na trama e o que a Polícia Federal fazia em Miami. Eu acreditava que, em Nassau, poderia estabelecer com os delegados um diálogo profissional de maneira a manter um canal de troca de informações com o mesmo objetivo: descobrir a verdade. O rol de nomes incluía telefone e endereço de alguns investigados e resolvi falar com o que parecia estar mais próximo do meu hotel. O escolhido foi Honor Rodrigues da Silva, dono de uma empresa de prestações de serviços de informática. Após um diálogo tenso com a secretária de Honor, marquei uma entrevista no escritório dele. Honor já havia sido avisado por um informante da presença dos policiais federais em Miami, mas desconhecia quem eram exatamente as pessoas procuradas por eles. No fundo, tinha esperanças de que a Polícia Federal nunca chegasse a seu nome e de seus sócios na empreitada do dossiê, os brasileiros João Barusco e Ney Santos. João, que estava na sala ao lado, também foi convidado a participar da reunião. Honor e João negaram tudo, mas, por insistência minha, aceitaram almoçar comigo no dia seguinte, com a presença de Ney Santos.

Com as informações obtidas junto à Polícia Federal, parti para uma investigação pessoal, que resultaria, mais tarde, no livro-reportagem Cayman: o dossiê do medo, lançado em 2002. Para tal, embarquei em uma viagem de quase 20 dias para a Jamaica – onde o trio foi se esconder – e a Miami, onde colhi depoimentos dos envolvidos botei as mãos em alguns documentos do FBI. Os brasileiros alugaram uma casa em um resort localizado na cidade de Negril, onde me hospedei, também, por doze dias. Logo, descobri que o dossiê Cayman era um golpe entre malandros transformado num escândalo público de bastidores inacreditáveis. Assim, esbocei as primeiras páginas do meu livro e iniciei o processo de transcrição das entrevistas gravadas.

Boa parte dessa trabalho foi feito nos quatro dias em que fiquei sozinho, uma vez que, para renovar o visto da Jamaica, o trio teve que se ausentar da ilha.  João e Honor foram para Cuba e Ney voltou para Miami. Da Jamaica, embarquei para Miami, onde tive minha última conversa com João e Ney, já que Honor tinha ido para Londres, Inglaterra. De lá, fugiria para o México, onde acabaria sendo preso por nove meses, até ter sua deportação negada pelo governo Mexicano. A investigação e a redação do livro me tomaram três meses de uma jornada diária média de 8 horas em frente ao computador , ao lado de quase mil páginas de documentos, boa parte em inglês.

O CASO TIM LOPES

A busca enlouquecida pela verdade, por mais digna que seja, não pode tomar o lugar da responsabilidade profissional, muito menos por expor um repórter à sandice de criminosos.
Tim Lopes era um tipo brasileiro, mulato, uma cara popular. A aparência mestiça lhe deu estímulo e coragem para estar, como jornalista, na trincheira da miséria urbana, pioneiro que foi impor, pela rotina do trabalho, um senso de responsabilidade social na execução da pauta. Foi por esse razão, entre outras de tamanho igual, que o assassinato de Tim Lopes, as 51 anos, por traficantes do Rio de Janeiro, mobilizou a consciência da classe dos jornalistas brasileiros.

O primeiro passo para entender o Caso Tim Lopes e dele tirar lições importantes é nunca agregar valor moral ao ato em si. Tim correu o risco que achou que deveria correr. Ele sentia o apelo das pessoas da favela, das mães desesperadas que viam o movimento diário de uma feira de derogas no caminho das crianças, muitas das quais levadas por traficantes a azeitar a máquina de abusos sexuais montados nos bailes funks do Rio. Tinha experiência e conhecimento do que fazia, mas foi ingênuo ou auto-suficiente o bastante ao pensar que poderia sair ileso de uma incursão solitária.

O conceito em questão é aquele em que, em nome da verdade – ou da vaidade – encontram-se jornalistas dispostos a expor a vida a enormes riscos. Acabou sendo preso, barbaramente torturado, morto e, em seguida, teve seu corpo incinerado em meio a pneus.
A Rede Globo divulgou uma nota em que ressaltava as qualidades do repórter, dos bons serviços prestados pelo jornalismo investigativo à sociedade, mas passando apenas de leve sobre a responsabilidade, ainda que indireta, da empresa sobre a ação do jornalista.

Por fim, uma análise apocalíptica do professor Nilson Lage:

Tim se arriscou demais. Ficou manjado Mas o que dói é saber que o sacrifício de um homem desse vale muito pouco para uma sociedade que está se lixando para o que se passa fora das muralhas de seus condomínios, onde o pó, o skunk e o ecstasy entram em porta-luvas e até na mala de carros de luxo. Quando entrar na caçamba das camionetes, aí desaba o novo império romano e começa a nova idade média fundamentalista.


Artigos



Sem investigação não há jornalismo – Ricardo Noblat
Por Camila Teixeira

Embora consagrada, acho redundante a expressão “jornalismo investigativo”. Ou “jornalismo de investigação”. Porque todo jornalismo pressupõe investigação.

Uma vez, nos anos 70 do século passado, acompanhei durante duas semanas o capuchinho italiano Frei Damião por terras de Pernambuco, Paraíba e Alagoas.

O perfil dele me deu menos trabalho do que a cobertura da primeira noite do velório de Frei Damião. Não meço o trabalho, no caso, pelo número de horas que gastei – mas pelo número de pessoas que ouvi e pelo esforço de imaginação.

A imaginação no jornalismo serve para que você tente enxergar além do óbvio. Para que você diga mais em dizer mais. É perigosa, se mal usada. Requer muito cuidado. Cito outro exemplo para reforçar o que quero dizer.

Ainda nos anos 70, quando eu era repórter do Jornal do Brasil, o então prefeito de Caruaru, Drayton Nejaim, sequestrou a própria mulher, a deputada Aracy Nejaim. Depois de duas semanas, Aracy reapareceu no Recife e Drayton sumiu aos cuidados de seus advogados. O jornal me encarregou de tentar reencontrá-lo.

Mas meu esforço de reportagem para entrevistar Drayton foi menor, muito menor do que o esforço que fiz para confirmar a suspeita de que as fotografias publicadas em outubro de 2004 pelo Correio Brasiliense, como se fossem do jornalista Vladimir Herzog, nu e humilhado, não eram dele.

Então, meus caros, denunciar um escândalo ou um erro, contar a história de um acidente de carro ou de uma eleição fraudada, exige investigação. E exaustiva, muitas vezes. Claro, se quisermos fazer um bom jornalismo...

Considerações sobre uma investigação – Claudio Julio Tognolli
Por Leonardo Leão

Claudio Tognolli, repórter da Folha de S. Paulo, Jornal da Tarde e da rádio CBN, além de ser professor de jornalismo na Universidade de São Paulo (USP) Também é um dos fundadores da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Ao longo de seu artigo, por meio de relatos de acontecimentos, Tognolli faz uma critica ao jornalismo investigativo. Segundo ele, após a morte de Tim Lopes, essa vertente da área não passa de copiar boletins de ocorrência, sentenças de magistrados e denúncias feitas por juristas.
Ainda segundo Tognolli, o que deveria ser ponto de partida, na verdade é usado como base para toda a reportagem. O autor, para exemplificar a falta de apuração por conta dos jornalistas, relata o acontecimento de que um deputado foi considerado fora da lei, um repórter, ao copiar o boletim de ocorrência sobre o caso, informou em uma rádio que o deputado estava na cidade de Lins, em São Paulo. Porém, mal sabia o jornalista que “Lins”, na gíria da polícia significa “local incerto e não sabido”.

Tognolli, no subtítulo Direitos subjetivos aborda a falta de especialistas em jornalismo investigativo. Relata que “os últimos casos mais clamorosos noticiados com singular estardalhaço brotaram de investigações pré-preparadas por canalhas de plantão, por gente que vendeu fitas a peso de ouro ou por promotores/ procuradores de ofício: seja o caso favela Naval, seja o caso Waldomiro Diniz, sejam as últimas acusações produzidas pelo Ministério Público Estadual de São Paulo contra Paulo Maluf”. Dessa forma, o autor cita o pianista do século XX, Vladimir Horowitz que diz a frase “quando deixo de estudar um dia, eu sinto a diferença; quando deixo dois, a crítica sente a diferença; quando deixo três, o público sente a diferença”, para mostrar a defasagem de bons profissionais no jornalismo investigativo.  E, dessa forma Tognolli, diz que o jornalismo copiador de boletins enfrenta um inimigo: ele mesmo, que nunca passou a perna como atualmente.

O autor relata que a 10 anos, o Investigative Reporters and Editors, uma espécie de “sindicato de jornalistas” no EUA, promove um curso de jornalismo investigativo via web. Segundo os ministrantes do curso, 10 reportagens vencedoras do prêmio Pulitzer tiveram “ajuda” de sites de busca como o Google e Alltheweb. Desa forma, Tognolli, mostra que o caminho a ser seguido pelo jornalismo investigativo é, de fato, a internet. Basicamente tudo, hoje em dia, está na rede.  “Vale lembrar que os casos mais clamorosos do jornalismo investigativo brasileiro dos últimos dez anos tiveram investigações num dos países cujos sites sugeridos por Reyes [Gerardo Reyes, jornalista do jornal de Miami – EUA, El Nuevo Herald, ganhador do Pulitzer em 2001] cobrem. Isso vale para os casos do juiz Lalau, de Ricardo Teixeira e Eurico Miranda, de PC Farias e de Collor. Vale lembrar, ainda, que pelo menos nove prêmios Pulitzer nos últimos oito anos nasceram de pesquisas na internet – ou aquilo que os americanos chamam de CARS (computer assisted reports)”.

Excesso de Impunidade – Andrei Meirelles
Por Leonardo Leão

Andrei Meirelles, editor da revista Época em Brasília, ganhador de quatro prêmios de jornalismo: dois Esso e dois Embratel. O autor, em seu artigo, abre um breve parêntese sobre o surgimento do jornalismo investigativo. Segundo ele, as investigações jornalísticas não são somente “uma nova roupagem da reportagem policial”, mas vai além. E ele destaca dois pontos. O primeiro é a mudança de foco, voltado para os crimes de corrupção. O outro ponto se trata do perfil das fontes. “Em vez de delegacias de polícia, os melhores informantes para esse novo tipo de cobertura migraram para o Ministério Público, nos Parlamentos com suas CPIs na Polícia Federal.” Mas, o jornalista faz um adendo. Seria somente função do jornalista investigativo investigar e apurar os fatos? Contrariando essa suposição, o autor diz que essa funções devem ser feitas por todos os jornalistas. Dessa forma, o jornalismo investigativo é, na verdade, “a cobertura mais aprofundada dos poderes, mostra os podres”.

Assim, Meirelles aborda a atuação do jornalismo investigativo, principalmente, na questão politica. Como exemplo, o Meirelles mostra a renovação nas redações com a entrada de jovens jornalistas formados nas faculdades de jornalismo. Profissionais que eram contra a Ditadura Militar e que cobriram, nessa época, as “Diretas Já”. Ele relata que o Ministério Público era “capacho” dos governos. Porém, após a Constituição de 1988 e com o direito a liberdade de imprensa assegurado, jornalistas e procuradores puderam exercer essa conquista, principalmente no governo Collor. Por fim, Meirelles encerra seu artigo fazendo uma reflexão: “Não há excesso de investigações sobre corrupção no Brasil. Pelo contrário, o excesso continua a ser de impunidade”.

Encruzilhada – Diego Escosteguy
Por Camila Teixeira

Entendido como a produção de reportagens que combinam denúncia e apuração em níveis excepcionais, o jornalismo investigativo enfrenta um péssimo momento no Brasil. É uma crise de conteúdo, de parâmetros éticos e do próprio valor mercadológico desse tipo de notícia.

É evidente que esse cenário não se deve apenas à falta de capital. Mas o fato é que jornalismo investigativo custa caro às empresas. Bem feito, exige tempo, investimentos, viagens trabalho em equipe.

O problema de grama diz muito, mas não explica tudo. De um modo geral, parece haver uma suave mas consistente opção por matérias mais leves e humanas, após o fenômeno da explosão do jornalismo investigativo nos anos 90. Na década passada, em grande medida por causa do governo Collor, as redações aprenderam a investigar.

Independentemente de análises políticas e sociológicas que intentam maquiar a história, o fato é que Collor caiu por causa de investigações conduzidas pela imprensa – em países com liberdade de expressão, há poucos paralelos desse tipo. O impacto político, social e eleitoral desses trabalhos, ainda a ser analisados por historiadores e sociólogos, não pode ser menosprezado.

Mas está sendo. E pior: por quem os produziu. Hoje, o maior inimigo do jornalismo investigativo está na grande imprensa, que o maltrata cotidianamente: tanto quando não decide por não o fazer, como quando faz de forma malfeita.

Nesse contexto, fica claro que começa a vicejar em setores da imprensa e da Academia um discurso conservador, para não dizer reacionário, sobre o papel não só do jornalismo investigativo, mas do próprio jornalismo. Tomam-se os exemplos de jornalismo investigativo malfeito (eles existem, claro) e generaliza-se, nas entrelinhas, que todo tipo de investigação na imprensa é mal-intencionada e ruim.

Além de rasos, são argumentos desonestos. Ao invés de buscar correções de rumos, busca, na verdade, coibir o jornalismo investigativo. Essa mesma turma resume o jornalismo investigativo à coleta e reprodução de fitas, daí o tal “jornalismo fiteiro”. São ideias que não resistem a um olhar mais atento.

Ao fim e ao cabo, o principal perigo desses argumentos cada vez mais martelados na Academia e por algumas estrelas do jornalismo, está no ataque implícito aos valores que vinham conduzindo o jornalismo brasileiro após o fim da ditadura militar. São ideias caras à esquerda, como a busca por uma sociedade menos desigual, o combate ao autoritarismo e a valorização da ética no espaço público.

Fosse isso tudo pouco, os jornalistas investigativos ainda enfrentam problemas de métodos e novos questionamentos éticos. Ao mesmo tempo em que deu impacto e forças às matérias, a parceria com o Ministério Público e a Polícia Federal desobrigou os repórteres, em muitos casos, de boa parte do trabalho de campo.

Sem dúvida, a internet colabora para isso. Embora seja uma ferramenta poderosa de investigação e pesquisa, permite menos gasto de sapato dos repórteres. O pior é que, embora confiem à internet razoável parcela de sua apuração, os jornalistas investigativos ainda não sabem tirar proveito de tudo que ela pode oferecer.

Há, ainda, excessos no uso do off, recurso que, no Brasil, significa não citar a fonte da informação. No jornalismo investigativo, o uso do off é ainda mais delicado, tendo em vista estar agregado a matérias de denúncia. Deveria ser, portanto, usado somente em situações específicas, como na descrição de ambientes políticos.

Mais grave do que as dificuldades e problemas éticos do jornalismo investigativo hoje é o seu futuro, ou melhor, a falta de perspectiva de que se faça algo do tipo no longo prazo. Os jovens que são despejados no mercado de trabalho não têm ideia de como fazer esse tipo de reportagem – e boa parte não quer saber mesmo.

Mesmo os estudantes que insistem em seguir esse caminho terão dificuldades. O foca que consegue vaga em redação é, normalmente, submetido a um salário baixo e a subserviços durante muito tempo. Por essas razões, há um fenômeno recente de repórteres jovens que não conseguem ficar mais de quatro, cinco anos em redação. Sem chance de ao menos trabalhar na mídia, nem cogita se empenhar em atividades de investigação jornalística.





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