segunda-feira, 20 de junho de 2016

O Profeta Samuel Wainer


Por Paula Alves

Minha Razão de Viver: Memórias de Um Repórter é um livro autobiográfico de Samuel Wainer. Seus relatos foram ditados, em forma de entrevista, a Sérgio de Souza e a Marta Góes. A vontade de Wainer era que o texto viesse à tona 25 anos após sua morte. Assim aconteceu. Sua filha Pinky Wainer, na companhia de Danuza Leão, transcreveu o material. Augusto Nunes organizou-o.

Os fatos enumerados no livro sucedem da relação de Wainer com o Jornalismo, materializada na fundação do jornal Última Hora, em junho de 1951. À época (como hoje), pensar a informação era pensar, também, no conflituoso cenário político, na indissociável correspondência entre os dois campos. Samuel tinha o hábito de não anotar o que seus entrevistados diziam. Para ele, quanto mais livres eles se sentissem, mais coisas poderiam ser ditas.

Tinha, no sangue, a habilidade de entrevistar com maestria. E foi por meio dessa arte que o jornalista resgatou Getúlio Vargas do esquecimento e colaborou para que o político voltasse ao poder. Em solo gaúcho, Wainer foi incumbido de realizar uma grande reportagem sobre o trigo. Assis Chateaubriand orientou-o que a defender que o País não poderia produzir, de modo autossuficiente, a commodity. Inquieto, convicto do contrário, Samuel mudou o rumo da pauta. Da história.

Há dois anos, desde 1947, o ex-presidente não falava com a imprensa, e aceitou ser entrevistado pelo jornalista. Esse fato é considerado divisor de águas. No livro, é relatado minuciosamente, com riqueza de detalhes. São Borja foi palco do início de uma grande – e multifacetada – amizade. A promessa de Vargas, de que voltaria, cumpriu-se em 1950. Fez brotar em Wainer o sentimento de missão cumprida. Mudou, assim, a concepção que ele tinha sobre o Getúlio de outrora, do Estado Novo.

No poder, sob oposição que tinha como protagonista Lacerda, Getúlio estreitou os laços com Wainer. Este o apresentou a Assis Chateaubriand. A relação entre Chatô e Wainer não era saudável, e as conturbações mais intensas são descritas na obra. Desse impasse, e da sugestão de Getúlio, nasceu o periódico Última Hora. Veementemente, Lacerda voltou-se contra o jornal, seu dono e, claro, contra Vargas. Desse embrólio, duas acusações exploradas na autobiografia: que o jornal fora construído com operações de crédito fraudulenta e que Wainer era estrangeiro, fato que impedia seu vínculo societário com veículos de comunicação, levando em consideração a lei vigente.

Como desdobramento dessas acusações: a traição de Getúlio, os tiros efetuados em Lacerda. A conspiração. O suicídio do presidente. O golpe de 1964. Em 68, o jornalista, depois de percalços financeiros para manter o Última Hora, retorna ao Brasil. Em 77, não mais dono do jornal, ingressou-se na Folha. Lá esteve até sua morte – 2 de setembro de 1980. Minha Razão de Viver: Memórias de Um Repórter dá conta dos mínimos e despercebidos detalhes de vida de Samuel Wainer e de figuras caras à nossa história. Não só do jornalismo, mas também da política. Daquilo que nos define.

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