O autor Eduardo Belo inicia
com uma história fictícia de uma redação. Igor, um jornalista em início de
carreira, foi deslocado para cobrir uma chacina que ocorrera em uma favela de
São Paulo. Ao voltar a redação com os dados básicos para a sua matéria sem uma
resposta profunda sobre o que tinha ocorrido, o jovem jornalista acabou ficando
intrigado com o que aconteceria adiante. Pesquisou na internet e nos arquivos
de publicação algo mais sobre chacinas, mas nada adiantou. Sua vontade era
produzir uma reportagem extensa e profunda sobre chacinas, mas o seu editor
alegava não ter tempo para isso e queria apenas uma nota sobre o ocorrido.
Igor, chateado por não terem aceitado a sua proposta de aprofundar mais sobre o
tema e entregar um material um completo, decidiu fazer por conta própria e
publicar em livro.
O autor aponta para o
desprezo dos veículos ao desenvolver histórias que renderiam excelentes
matérias. A maioria alega falta de tempo, dinheiro e interesse do público em
ler conteúdos extensos. Ele diz que em parte isso se confirma. Realmente, os
veículos impressos no Brasil estão com dificuldades de manter uma equipe bem
qualificada. E que esses veículos encontram-se em uma crise de identidade e
receita. O que falta aos veículos impressos é perceber que eles não são mais a
fonte principal de informação das pessoas. E, mesmo assim, continuam atuando
dessa maneira.
O autor explica que tanto no
Brasil quanto no exterior os jornais e revistas ainda não encontraram uma forma
de se manter com a “concorrência” da comunicação na internet. Com isso, esses
meios têm se esquecido que a reportagem é o seu maior triunfo em relação as
mídias eletrônicas. Porque o simples, o vasto e o necessário para o momento do
acontecimento o público encontram na internet.
O livro-reportagem não tem
uma data de nascimento correta. Anos antes do seu conceito ser definido nos
círculos acadêmicos ou no meio jornalístico, narrativas já haviam sido
publicadas no seu formato. Belo aponta, porém, que é possível identificar o seu
ponto de partida no século XIX, quando a reportagem em livro começou a se
destacar na Europa como subgênero da literatura. Época em que o jornalismo
ainda não era considerado uma profissão, mas uma atividade intelectual e
política, onde os jornais publicavam artigos, ensaios, editoriais e literatura.
O autor explica que “a
produção jornalística - ou "parajornalística" - em livro limitava-se
a registros de viagens ou narrativas dos conquistadores das colônias europeias
mundo afora. Até pela força da visão dominadora do Velho Continente, esses
relatos guardavam muito pouco compromisso com a objetividade que caracterizaria
a prática da reportagem a partir do século XIX, principalmente em sua segunda
metade.
O fim da Segunda Guerra foi
fundamental para a produção jornalístico-literária, de acordo com Belo. “O
conflito que mudou o mundo alterou também o jeito de fazer jornalismo. Muitos
historiadores e estudiosos da mídia defendem a ideia de que o lead passou a ser utilizado durante a
Segunda Guerra para facilitar o trabalho dos correspondentes. Como as
transmissões por telégrafo eram caras e instáveis - não havia nenhuma garantia
de que o repórter conseguiria passar todo o texto antes de uma quase inevitável
queda de conexão -, estabeleceu-se que o primeiro parágrafo de cada despacho
tinha de conter os elementos essenciais da notícia – uma espécie de resumo do
texto que respondesse às questões quem, quando, onde, como e por quê. A partir
de então, o texto começava a destrinchar os detalhes do ocorrido, em ordem
decrescente de importância. A técnica ficou conhecida como pirâmide invertida”.
Já no Brasil, os jornalistas
aderiram a publicação de reportagem em livro no final do século XX, com os
relatos sobre os bastidores da política e da economia nacional. “Muitos desses
relatos foram publicados periodicamente, mas a precisão de aprofundamento
fizeram com que as várias reportagens fossem publicadas em livros”.
O papel do jornalista é o de
“garimpagem”, onde ele irá selecionar o conteúdo de relevância em que irá
satisfazer as necessidades de seu leitor. E de certo modo, com o crescimento da
internet, a quantidade de informações na rede não tem tido tanta relevância.
A seleção de conteúdo que o
autor nomeia genericamente como “edição” acontece tanto em textos jornalísticos
quanto em imagens e sons. “É na edição que se determina o tamanho da
reportagem, se escolhe a montagem e as matérias principais, as notas de pé de
página e o que vai parar no lixo – porque, sim, jornalismo também é jogar fora
a informação irrelevante ou de menor importância diante das outras”. O autor
complementa dizendo que os veículos de comunicação dos Estados Unidos e da
Europa têm focado em limitar assuntos, tratando-os com mais profundidade.
O questionamento sobre o
livro-reportagem ser diferente do jornalismo é retratado de formas distintas. O
autor explica que o livro-reportagem serve como complemento de informação, mas
não substitui os meios de comunicação. O livro-reportagem tem a vantagem de
reunir um número grande de informações e o aprofundamento da história contada.
“Biografias, temas históricos, perfis, memórias e relatos de grandes
acontecimentos (guerras, revoluções, movimentos populares, convulsões sociais,
crimes de grande repercussão) são os temas naturais desse tipo de publicação”.
A não-ficção exposta muitas
vezes nesses livros tem como exemplo as obras de Truman Capote e Hemingway
sobre a distorção na hora de escrever textos. Capote, em seu “romance de
não-ficção”, “A sangue frio”,
implementou diálogos e, possivelmente, teve um relacionamento com um dos
personagens. E como ele não usava anotações, apenas sua memória, foi atacado
pelos críticos. Ao escrever o texto, ele descreve a história de uma forma mais
literária, e talvez, esse tenha sido essa a questão criticada por outros
autores. “À parte dos percalços, A sangue frio constitui-se em um novo
marco para o jornalismo, ao introduzir com intensidade mais elementos da
literatura à reportagem”.
Tanto a reportagem quanto o
livro podem narrar e descrever sobre determinado assunto, mas de acordo com o
autor, o livro “presta-se melhor à informação”. A confusão que acontece entre
os significados de opinião e análise é explicada por Eduardo da seguinte forma:
“opinião é um modo como uma pessoa – ou um veículo – enxerga as situações a sua
volta. Já o jornalismo interpretativo ajuda a formar opinião sem opinar
diretamente”. A questão da objetividade também deve ser observada, já que, de
acordo com ele, o profissional deve ser objetivo e imparcial.
Voltando a falar sobre a
escrita do livro, o jornalista que faz esse trabalho deve se atentar aos
detalhes e a profundidade do seu texto para atrair a atenção do leitor. O
público que compra determinado livro, de uma determinada celebridade, por
exemplo, quer ler mais do que já foi noticiado pela mídia, e de certo modo, os
livros podem desmentir fatos já noticiados.
O autor cita livros como o de
Gilberto Diemenstein (1988) intitulado “O complô”. Este livro fala um pouco
sobre a última eleição indireta. Os livros deste gênero (político e econômico)
foram bem aceitos. Mas por causa do mercado econômico naquela época, o sucesso
não foi maior. Belo afirma que grande parte dos livros lançados na época tinha
linguagem jornalística. Já os livros-reportagem terão sempre “textos jornalísticos
clássicos: poucos adjetivos e muita informação”.
Entre os anos de 2003 e
2004, a Câmara Brasileira do Livro (CBL) mostrou números relativos ao gênero de
livros lidos pelos brasileiros. Os livros jornalísticos não entram na lista com
maior status de venda, mas na visão de Belo, houve uma melhora. “O
livro-reportagem está muito longe de alcançar a maturidade comercial no Brasil.
O desenvolvimento econômico, social e cultural tendem a impulsioná-la cada vez
mais”.
A notícia em papel e a
popularização da internet faz-se pensar que o público busca textos mais
profundos e longos. “O público decididamente já demonstrou não querer textos
chatos ou sem conteúdo. São essas pessoas que estão recorrendo aos livros em
busca da reportagem perdida”.
Os leitores têm grande
curiosidade em relação à vida de pessoas públicas ou que tiveram grande efeito
na história. Nomes como Fernando Morais e Ruy Castro se destacam na escrita do
gênero biografia. Mesmo com obras escritas por grandes nomes do jornalismo e
livros tão bons quanto, o Brasil não teve vendagem de best-seller, com exceção de algumas grandes biografias e da série
de Gaspari.
Para o autor, escrever um
livro-reportagem toma muito tempo e dá trabalho. Ele cita como exemplo o
livro-reportagem “Apenas uma garotinha”.
A produção textual deste livro consumiu 10% do trabalho, ficando os outros 90%
por conta da apuração das informações. Sabendo que um projeto como este ocupa
muito tempo, o autor indica que o trabalho de free-lancer é ideal para quem quer se dedicar à escrita. “Em outros
países, essa situação já não representa um sonho. Milhares de jornalistas
europeus trabalham como free-lancers por
opção própria. Escolhem os trabalhos que querem realizar, em geral para
publicações de prestígio ou em veículos com as quais tenham alguma afinidade
pessoal. Vários deles elegeram esse caminho para desfrutar de tempo e liberdade
a fim de se dedicar também aos livros”.
Eduardo Belo relata ainda o
passo-a-passo para a produção de um bom livro reportagem, mesmo apontando que
não existe uma fórmula concreta. As ações a serem realizadas também fazem parte
do jornalismo diário produzido em jornais, revistas ou outros veículos:
- Pauta: a escolha do tema e o enfoque influencia fortemente o andamento do livro-reportagem. Nasce da leitura de periódicos, informações colhidas na rua, sugestões de indivíduos. Não limita o trabalho, mas direciona-o.
- Projeto: planejamento do como a pauta será desenvolvida; um roteiro de trabalho.
- Custo: cálculo do quanto será gasto com a apuração das informações (deslocamentos, encomendas de pesquisa, internet, despesas com alimentação etc.).
- Apuração: “Tão importante quanto narrar os acontecimentos é apurá-los. Apuração é a essência do jornalismo. Agregar dados, entrevistas e documentação; qualquer detalhe é importante na fase da apuração. É preciso ainda checar as informações.
- Pesquisa: não existe reportagem sem pesquisa. Alguns autores de livros terceirizam essa pesquisa, pela escassez de tempo. É preciso trabalhar com o ceticismo, não acreditando cegamente nas informações encontradas, principalmente na internet.
- Estatísticas: dados quantitativos podem validar uma informação, mas nenhuma estatística é isenta. Elas são “um modo de interpretação da realidade e refletem os objetivos de quem as produz”. Não quer dizer que estatísticas sejam falsas, mas que é preciso checa-las com diversas fontes, por meio de outras pesquisas ou pela opinião de especialistas em entrevistas.
- Entrevista: tornou-se o principal recurso de obtenção de informações. Segundo o autor, a melhor entrevista é feita pessoalmente, e transforma-se num bate-papo entre repórter e entrevistado, em que uma pergunta programada leva a outra não pensada anteriormente. Entrevistas para livros-reportagem merecem roteiros mais longos e detalhados. O autor dá ainda algumas dicas para a realização de uma boa entrevista, como: nunca demonstrar timidez; fazer perguntas que surpreendam a fonte; não demonstrar admiração ou surpresa por uma resposta do entrevistado; evitar excesso de formalismo etc. Ao lidar com temas polêmicos, o ideal é fazer uma entrevista gravada, e pedir explicações detalhadas quando não entende-se um tópico. Cuidado: algumas fontes mentem! Quando uma delas der informações em off, questione o porquê do off e pondere se é interessante usar a informação ou não.
- Texto: trabalhe um texto mais aprofundado, principal objetivo do livro-reportagem. A apuração e coleta de informações será essencial para a produção, porque quando o repórter tem conhecimento do que está falando o texto flui mais facilmente. Reconstitua minuciosamente os fatos; reproduza diálogos com máxima exatidão; evite passagens abruptas de um assunto para o outro etc.
- Edição: ao ser finalizado, o livro deve ser revisado por várias pessoas, já que cada uma faz uma leitura diferente do texto. O ideal é que a revisão final seja feita pelo autor do livro, que tem uma ideia pré-concebida do resultado de seu trabalho.
Outros pontos abordados por
Eduardo Belo são a formação do jornalista e a ética. Para ele, não é essencial
que o jornalista seja formado na área, mas que tenha uma formação, pois só o
exercício cotidiano da profissão tornará o aspirante em um jornalista de
verdade.
Sobre a ética, ele aponta
formas duvidosas da prática jornalística, como o uso de gravadores ocultos,
disfarce e manipulação. Num livro-reportagem é preciso ser ainda mais cuidadoso
com os métodos e com o que é dito, já que o conteúdo é mais aprofundado.